Mas o que é a arte? O que a difere da realidade? Por que sentimos a real necessidade de produzi-la, admirá-la, de criticá-la ou enquadrá-la entre as molduras de padrões estéticos formais? Talvez, e já discordando de certos olhares críticos lançados por Tolstoi, a arte seja para muitos o que há de belo, ou quem sabe seja uma fórmula firmada sob pressões aristotélicas atemporais, tendo como base as oscilações do olhar.
Propulsora e libertária, difícil é defini-la! A arte na sua realidade nos cede possibilidades e traz na essência subjetiva e sinestésica um espírito encantador capaz de incitar paixões e transfigurar cotidianos. Talvez por isso seja tão difícil firmar definições que satisfaçam a seus simples admiradores ou fervorosos críticos. Para ela certamente não há uma verdade única, não há realidade cética que a oprima ou rotule. Os questionamentos acerca do seu conceito são muitos e certamente as respostas para a sua amplitude são bem mais numerosas do que pensa a nossa vã filosofia.
Não sei. Há tempos quando em meus devaneios observava pinturas renascentistas deparei-me com Rembrandt e o seu “Boi Esquartejado”. Causou-me estranhamento a beleza exposta entre o sangue, as vísceras e a morte em tons pastéis. Seria essa a essência da arte? A imagem captada de um cotidiano ficou em mim como se tinta fresca, viscosa, tal qual a carne bela/feia e antiestética exposta entre molduras pelo pintor. Certamente fora ali deixada com objetivos bem maiores que a minha simples percepção pôde captar.
Talvez
esteja aí a questão: captamos a arte ou ela é quem nos laça, nos encarcera?
Outro dia, preso frente a uma obra de Benê Olivier, artista plástico residente
em Porto Seguro, vi-me diante dessa inquietante dúvida. Havia entre os
estranhos traços das faces cortes que em muito fustigaram o meu olhar. Algo
entre o cotidiano exposto e uma atualidade significativa capaz de envolver, de
seduzir. A arte a arrebatar, propondo em outro plano uma empatia. O momento
recriado longe das caricaturas estereotipadas ou de foto-pinturas tão comuns
nas galerias espalhadas pelas ruas da cidade. Não que nestas não haja valores
ou beleza. Todavia, nas cores e nas formas expostas na arte de Benê, há uma
aproximação entre olhar espectador e o instante original da obra, capaz de
recriar conceitos. Para muitos: a verdadeira essência de toda arte!
Mas ser
essência decididamente não é ser real. A arte se redefine sob visões subjetivas
em momentos distintos, como uma força propulsora do ser humano em sua essência.
É uma arma libertária junto a qual vagueia utópica e iludida a liberdade do ver
e do criar. Tomemos como exemplo os corvos de Van Gogh, aqueles que para muitos
voam livres sobre o trigal; mas que verdadeiramente vivem presos às paredes
entre molduras e tempo, à espera de um olhar para criticá-los e assim ganhar o
mundo. Uma cruel realidade!
Entretanto para a arte o que vem a
ser real? Como então entendê-la, criticá-la ou simplesmente apreciá-la? Afirma
Tolstoi: “A arte é um órgão da vida humana, transmitindo a percepção racional
dos homens para o campo dos sentimentos”. É sinestésica! Capaz de definir e
redefinir em cada momento o seu sentido lógico em um sentido próprio, inerente
em seu primeiro plano a cada criador e a posterior às diversas visões
espectadoras. É também o que planeja ser dentro de cada processo individual, o
que a confere um caráter único e transitório que ultrapassa as fronteiras do
conhecimento.
Publicado em 12 de março de 2013 em Cítrica. - FUNCEB - Fundação Cultural do Estado da Bahia.