terça-feira, 24 de março de 2020

Butoh Antropopatia

Antropopatia...Atribuição de sentimentos humanos a Deus, divindades e criaturas outras da natureza. O Deus que sofre, que vive e chora... que quer ser homem ; ou o homem que busca aproximar-se de um Deus onírico, real e desconhecido, O termo é de origem grega: anthropos, "Homem" e pathos, "afeto" ou "paixão" Antropopatia seria, assim, atribuir a Deus sentimentos e paixões humanas.

sábado, 14 de março de 2020

Aos Rouxinóis do Velho Mundo


ESCRÍTICA: O lugar e o papel do pensamento crítico agora.



Reflexões sobre corvos, relógios e bois esquartejados. 
Carleone Filho. 

  A crítica de artes nunca foi o objeto do meu desejo, entretanto, talvez por sê-la inerente ao ser humano, sempre senti um inquieto prazer em criticar. Quando criança era algo instintivo, meio cavernal. Não tinha noções teóricas clássicas que confirmassem minhas sensíveis observações acerca do que vi, ouvi ou senti. Tinha, porém, as minhas próprias teorias. Sabia muito sobre o que viria a ser o belo, o feio e, principalmente, o belo-feio, tal qual o boi esquartejado e antiestético de Rembrandt, o qual admirei na infância, nas réplicas trazidas em revistas às paredes de casa por meu saudoso pai, funcionário do Consulado da Holanda. 
   Rembrandt foi, de certo, o artista a influenciar de forma mais profunda os meus primeiros anos. Naqueles tempos lia admirado as Crônicas da Holanda, publicações que chegavam ao Consulado repletas de gravuras dos grandes mestres da pintura europeia. Aguardava ansioso as edições, em especial as que continham os tons pastéis, sombras e luzes tão salutares na obra do pintor. Cresci em meio às suas cores, vez ou outra me aventurando a criar cópias nas páginas dos meus cadernos de desenho. Entretanto, gostava mesmo era de observar, de ver as formas, entender e sonhar com movimentos... Em especial de escrever sobre o que vi, dando um novo “sabor” à vida das telas.    Entender as obras que via era, certamente, minha maior inquietação. A busca por compreensão muitas vezes tirava-me o sono ou me fazia adormecer, pensando de forma ainda anímica nos muitos porquês que envolviam a criação artística. Fora assim...     Por muito tempo segui criando respostas simples para a arte que pulsava no meu mundo e tudo que sinestesicamente me envolvia. 
   O tempo, entretanto, segue incessantemente e traz, de certo, novas fases e concepções. Assim, na adolescência surge-me o gosto pelo estranhamento e a rebeldia, trazido à tona especialmente nas aulas de literatura e arte. A inquietação comum à juventude explode entre as horas distorcidas por Salvador Dali e os instantes usurpados pelo cotidiano escolar. Um período de grandes transformações e intensas paixões pela arte, do qual guardo como forte lembrança a reação espantada de um velho professor de literatura diante do texto por mim escrito, no qual vejo em simbiose o meu corpo em crescimento e a estranha forma do Abaporu, de Tarsila do Amaral. Ainda hoje penso que, apesar da nota máxima recebida, as “vistas daquela retina tão fatigadas” não conseguiram entender a máxima do que eu disse em minha forma particular de crítica. 
   Mas, o que seria para mim, naqueles tempos distantes, a crítica de arte ? Aos olhos de um estudante mediano, qual seria o seu verdadeiro conceito? Certamente, o tratamento da informação e a sistematização do conhecimento artístico, apresentados automaticamente em aulas de literatura e educação artística, serviam pouco e nada acrescentavam às minhas definições. Afinal, não me importavam apenas os “quês”. Preocupava-me com os “comos” flutuantes, os “porquês” sinestésicos e os “ondes” mais distantes.
    Deixemos, porém, de lado antigas recordações e as reflexões quase senis... Certamente, o hoje traz consigo uma carga efetiva do nosso passado e um conhecimento não mais instintivo; e sim pautado em conceitos e vivências diárias, somadas aos acúmulos e acúmulos  do nosso aprendizado. Uma certeza que se por um lado traz consistência ao que atualmente expresso sobre a arte, por outro me prende ao solo da cruel realidade do hoje. Solo esse onde, por mais que tente, não sinto ao pisar a firmeza e a coragem que aquele velho olhar basicamente instintivo dava-me diante de telas, ou de qualquer expressão artística sobre a qual livremente me aventurava a escrever.
   O instinto era a minha motriz. A força que me fazia girar em um vórtice intenso e enxergar planos que certamente não poderiam ser vistos presos à crítica da razão e suas teorias. Era ele quem me fazia, enquanto observador quase irracional, criar e recriar textos sobre obras que momentaneamente surgiam diante dos meus sentidos. Hoje, certamente, não consigo afirmar quando a faculdade do instinto foi cedendo lugar às formas convencionais acadêmicas. Talvez as “luzes” do conhecimento tenham sido acesas no período universitário, quando, mais por obrigações do que por vontade, fui condicionado a abraçá-lo. 
   É certo: “aprendi” a apreciar as teorias e busco, em suas fontes, bases para as críticas que faço sobre a arte. Passei condicionalmente a acreditar ser a procura pelo conhecimento, assim como o instinto, algo inerente a todos. Hoje sinto que estou mais firme, porém, menos criativo em minhas colocações. É o que penso. Mas, creio que aquele professor de literatura que renasceu em lembranças da minha época de estudos, daria nesses tempos atuais menores créditos àquele texto crítico por mim escrito. 
   Mas, como disse: A crítica de artes nunca foi o objeto do meu desejo, mesmo sabendo ter sido este mesmo desejo o maior responsável por despertar em mim a vontade, ou mesmo a necessidade, de ingressar no II Seminário Baiano de Crítica de Artes e, posteriormente, na Oficina de Qualificação em Crítica de Artes, oferecida pela FUNCEB em 2012. As atividades foram momentos ímpares e deixaram um “querer mais” enraizado, principalmente pelo conteúdo apresentado e as dinâmicas de condução dos trabalhos. Os quais, de certa forma, me fizeram reavaliar profundamente, sem obter resultados precisos, os meus conceitos.
    Sinto atualmente uma grande falta do período em que observava as fotos de Rembrandt entre páginas de revistas. Vejo com saudade o tempo quando havia espaço à liberdade do ver e a pureza do olhar se refletia entre as  folhas do caderno de escola. Lamento não mais poder correr sozinho por entre os trigais, onde caminhava em busca de conselhos passados por um Van Gogh aparentemente entristecido e ainda preso a um autoretrato. 
    Acredito que continuarei a escrever críticas, afinal, por mais que busque assumir o comando, não sou o senhor dos meus desejos. Na realidade, os sentidos não me permitem visualizar claramente objetos e a arte por sua vez continua a aguçar-me, trazendo inúmeras dúvidas e principalmente a imensa certeza de que um dia há de vir a liberdade e os corvos de Van Gogh voarão livres pelo campo. Um dia, certamente, não haverá pregos ou molduras. Será o dia da pintura livre, da utopia da arte como modelo.   Texto: Carleone Filho - Integra obra Escrítica, produzida pela Secretaria de Cultura do Estado da Bahia/FUNCEB, Fundação Cultural do Estado da Bahia. http://www.fundacaocultural.ba.gov.br/arquivos/File/imagenswordpress/2014/11/livro_escritica_2014.pdf


Requiescat in Pace - Obra Premiada - Salão Regional de Artes Visuais da Bahia

Salão Regional de Artes Visuais da Bahia 2013 - Obra Premiada - Videoarte. Apresentada no MAM 2014 - Museu de Arte Moderna da Bahia. Secretaria de Cultura do Estado da Bahia/FUNCEB, Fundação Cultural do Estado da Bahia.