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Butoh Antropopatia
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quarta-feira, 18 de março de 2020
domingo, 15 de março de 2020
sábado, 14 de março de 2020
ESCRÍTICA: O lugar e o papel do pensamento crítico agora.
Reflexões
sobre corvos, relógios e bois esquartejados.
Carleone Filho.
A crítica de
artes nunca foi o objeto do meu desejo, entretanto, talvez por sê-la inerente
ao ser humano, sempre senti um inquieto prazer em criticar. Quando criança era algo
instintivo, meio cavernal. Não tinha noções teóricas clássicas que confirmassem
minhas sensíveis observações acerca do que vi, ouvi ou senti. Tinha, porém, as
minhas próprias teorias. Sabia muito sobre o que viria a ser o belo, o feio e,
principalmente, o belo-feio, tal qual o boi esquartejado e antiestético de
Rembrandt, o qual admirei na infância, nas réplicas trazidas em revistas às
paredes de casa por meu saudoso pai, funcionário do Consulado da Holanda.
Rembrandt foi, de certo, o artista a influenciar de forma mais profunda os meus
primeiros anos. Naqueles tempos lia admirado as Crônicas da Holanda,
publicações que chegavam ao Consulado repletas de gravuras dos grandes mestres
da pintura europeia. Aguardava ansioso as edições, em especial as que
continham os tons pastéis, sombras e luzes tão salutares na obra do pintor.
Cresci em meio às suas cores, vez ou outra me aventurando a criar cópias nas
páginas dos meus cadernos de desenho. Entretanto, gostava mesmo era de
observar, de ver as formas, entender e sonhar com movimentos... Em especial de
escrever sobre o que vi, dando um novo “sabor” à vida das telas. Entender as
obras que via era, certamente, minha maior inquietação. A busca por compreensão
muitas vezes tirava-me o sono ou me fazia adormecer, pensando de forma ainda
anímica nos muitos porquês que envolviam a criação artística. Fora assim... Por
muito tempo segui criando respostas simples para a arte que pulsava no meu
mundo e tudo que sinestesicamente me envolvia.
O tempo, entretanto, segue incessantemente
e traz, de certo, novas fases e concepções. Assim, na adolescência surge-me o
gosto pelo estranhamento e a rebeldia, trazido à tona especialmente nas aulas
de literatura e arte. A inquietação comum à juventude explode entre as horas
distorcidas por Salvador Dali e os instantes usurpados pelo cotidiano escolar.
Um período de grandes transformações e intensas paixões pela arte, do qual
guardo como forte lembrança a reação espantada de um velho professor de
literatura diante do texto por mim escrito, no qual vejo em simbiose o meu
corpo em crescimento e a estranha forma do Abaporu, de Tarsila do Amaral. Ainda
hoje penso que, apesar da nota máxima recebida, as “vistas daquela retina tão
fatigadas” não conseguiram entender a máxima do que eu disse em minha forma
particular de crítica.
Mas, o que seria para mim, naqueles tempos distantes, a
crítica de arte ? Aos olhos de um estudante mediano, qual seria o seu
verdadeiro conceito? Certamente, o tratamento da informação e a sistematização
do conhecimento artístico, apresentados automaticamente em aulas de literatura
e educação artística, serviam pouco e nada acrescentavam às minhas definições.
Afinal, não me importavam apenas os “quês”. Preocupava-me com os “comos”
flutuantes, os “porquês” sinestésicos e os “ondes” mais distantes.
Deixemos,
porém, de lado antigas recordações e as reflexões quase senis... Certamente, o
hoje traz consigo uma carga efetiva do nosso passado e um conhecimento não mais
instintivo; e sim pautado em conceitos e vivências diárias, somadas aos
acúmulos e acúmulos do nosso aprendizado. Uma certeza que se por um lado
traz consistência ao que atualmente expresso sobre a arte, por outro me prende
ao solo da cruel realidade do hoje. Solo esse onde, por mais que tente, não sinto
ao pisar a firmeza e a coragem que aquele velho olhar basicamente instintivo
dava-me diante de telas, ou de qualquer expressão artística sobre a qual
livremente me aventurava a escrever.
O instinto era a minha motriz. A força que
me fazia girar em um vórtice intenso e enxergar planos que certamente não
poderiam ser vistos presos à crítica da razão e suas teorias. Era ele quem me
fazia, enquanto observador quase irracional, criar e recriar textos sobre obras
que momentaneamente surgiam diante dos meus sentidos. Hoje, certamente, não
consigo afirmar quando a faculdade do instinto foi cedendo lugar às formas
convencionais acadêmicas. Talvez as “luzes” do conhecimento tenham sido acesas
no período universitário, quando, mais por obrigações do que por vontade, fui
condicionado a abraçá-lo.
É certo: “aprendi” a apreciar as teorias e busco, em
suas fontes, bases para as críticas que faço sobre a arte. Passei
condicionalmente a acreditar ser a procura pelo conhecimento, assim como o
instinto, algo inerente a todos. Hoje sinto que estou mais firme, porém, menos
criativo em minhas colocações. É o que penso. Mas, creio que aquele professor
de literatura que renasceu em lembranças da minha época de estudos, daria
nesses tempos atuais menores créditos àquele texto crítico por mim escrito.
Mas, como disse: A crítica de artes nunca foi o objeto do meu desejo, mesmo
sabendo ter sido este mesmo desejo o maior responsável por despertar em mim a
vontade, ou mesmo a necessidade, de ingressar no II Seminário Baiano de Crítica
de Artes e, posteriormente, na Oficina de Qualificação em Crítica de Artes,
oferecida pela FUNCEB em 2012. As atividades foram momentos ímpares e deixaram
um “querer mais” enraizado, principalmente pelo conteúdo apresentado e as
dinâmicas de condução dos trabalhos. Os quais, de certa forma, me fizeram
reavaliar profundamente, sem obter resultados precisos, os meus conceitos.
Sinto atualmente uma grande falta do período em que observava as fotos de
Rembrandt entre páginas de revistas. Vejo com saudade o tempo quando havia
espaço à liberdade do ver e a pureza do olhar se refletia entre as folhas do caderno de escola. Lamento não mais poder correr sozinho por entre os
trigais, onde caminhava em busca de conselhos passados por um Van Gogh
aparentemente entristecido e ainda preso a um autoretrato.
Acredito que
continuarei a escrever críticas, afinal, por mais que busque assumir o comando,
não sou o senhor dos meus desejos. Na realidade, os sentidos não me permitem
visualizar claramente objetos e a arte por sua vez continua a aguçar-me,
trazendo inúmeras dúvidas e principalmente a imensa certeza de que um dia há de
vir a liberdade e os corvos de Van Gogh voarão livres pelo campo. Um dia,
certamente, não haverá pregos ou molduras. Será o dia da pintura livre, da
utopia da arte como modelo. Texto: Carleone
Filho - Integra obra Escrítica, produzida pela Secretaria de Cultura do Estado da Bahia/FUNCEB, Fundação Cultural do Estado da Bahia. http://www.fundacaocultural.ba.gov.br/arquivos/File/imagenswordpress/2014/11/livro_escritica_2014.pdf
Requiescat in Pace - Obra Premiada - Salão Regional de Artes Visuais da Bahia
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